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quarta-feira
Uso de antibióticos preocupa médicos e cientistas
Mariana Alvim/BBC - Há
quatro anos, em uma fazenda de criação intensiva
em Xangai, na China, um
exame feito em um porco prestes a ser abatido
encontrou uma bactéria
resistente ao antibiótico
colistina. O achado acendeu um alerta que ecoou
pelo mundo — cada vez
mais temeroso com a capacidade que micro-organismos têm demonstrado
em driblar tratamentos à
base de antibióticos.
A bactéria resistente
encontrada no suíno, uma
Escherichia coli, levou os
cientistas da China a aprofundar os exames — agora,
também em frangos de fazendas de quatro províncias
chinesas, nas carnes cruas
desses animais à venda em
mercados de Guangzhou,
e em amostras de pessoas hospitalizadas com infecções nas províncias de
Guangdong e Zhejiang.
Eles encontraram uma
“alta prevalência” do Escherichia coli com o gene MCR1, que dá às bactérias uma
alta resistência à colistina e
tem potencial de se alastrar
para outras bactérias, como
a Klebsiella pneumoniae e
Pseudomonas aeruginosa.
O MCR-1 foi encontrado em
166 de 804 animais analisados, e em 78 de 523 amostras
de carne crua. Já nos humanos, a incidência foi menor,
mas se mostrou presente
— em 16 amostras de 1.322
pacientes hospitalizados.
O caminho de “transmissão” de microrganismos
(bactérias, parasitas, fungos
e etc) resistentes é uma incógnita não só para o caso
dos porcos, frangos e pacientes na China, mas para o
uso veterinário e médico de
antibióticos como um todo.
Pode ser que esses microrganismos ou resquícios
de antibióticos (restos dos
medicamentos que, em
contato com os micróbios,
podem estimular sua resistência) possam estar se
alastrando pelos alimentos,
ou ainda através do lixo
hospitalar, lençóis freáticos,
rios e canais de esgoto — e
a investigação para desvendar as rotas de bactérias tem
motivado inúmeras pesquisas no Brasil e no mundo
(veja detalhes sobre esses
estudos abaixo).
“As bactérias não têm
fronteiras: a resistência
pode passar de um lugar a
outro sem passaporte e de
várias formas”, explica Flávia Rossi, doutora em patologia pela Faculdade de
Medicina da Universidade
de São Paulo (USP) e integrante do Grupo Consultivo
da OMS para a Vigilância Integrada da Resistência Antimicrobiana (WHO-Agisar).
“Com a globalização, não
só o transporte de pessoas é
rápido, como os alimentos
da China chegam ao Brasil e vice-versa. Essa cadeia
mimetiza o que acontece
com o clima: estamos todos interligados. Por isso,
a Organização Mundial da
Saúde (OMS) vem trabalhando com o enfoque de
‘One Health’ (‘Saúde única’
em português, a perspectiva
de que a saúde das pessoas,
dos animais e o ambiente
estão conectados).”
Agora, a dimensão global do problema ganhou
um mapeamento inédito
juntando pesquisas já feitas medindo a presença de
microrganismos resistentes em alimentos de origem
animal em países de baixa
e média renda — e o Brasil
aparece no grupo de lugares
com situação preocupante.
Não quer dizer que o estudo considere o país como
um todo, mas pontos que já
foram submetidos a pesquisas, como abatedouros de
bois em cidades gaúchas ou
em uma fazenda produtora
de leite e queijo em Goiás.
China e Índia foram,
segundo os autores do estudo, publicado na revista
Science, “claramente” os
lugares em que os maiores níveis de resistência
foram encontrados.
Mas o Sul do Brasil,
leste da Turquia, os arredores da Cidade do México
e Johanesburgo (África do
Sul), entre outros, se destacaram também como hotspots, ou focos de resistência microbiana em animais
destinados à alimentação,
principalmente bovinos,
porcos e frangos (com níveis elevados de P50, percentual acima de 50% de
amostras de microrganismos resistentes a determinados antibióticos).
As maiores resistências
observadas foram relacionadas a alguns dos antibióticos mais usados na
produção animal, como
as tetraciclinas, sulfonamidas e penicilinas. Entre
aqueles importantes para
tratamento também em
humanos, destacaram-se a
resistência à ciprofloxacina
e eritromicina.
Os autores reuniram
ainda dados que apontam
para focos de resistência
emergentes, ou seja, em
que a resistência dos microrganismos a antibióticos
está crescendo. Aí, o Brasil
também aparece, tanto o
Sul quanto o Centro-Oeste.
A situação da América
do Sul é particularmente
preocupante por causa da
carência de dados, diz o estudo: “Considerando que
Uruguai, Paraguai, Argentina e Brasil são exportadores de carne, é preocupante
que haja pouca vigilância
epidemiológica da resistência microbiana disponível
publicamente para esses
países. Muitos países africanos de baixa renda têm
mais pesquisas desse tipo
do que os países de renda
média na América do Sul.
Globalmente, o número de
pesquisas per capita não se
correlacionou com o PIB per
capita, sugerindo que a capacidade de vigilância não
é impulsionada apenas por
recursos financeiros.”
Buscando ampliar, em
partes, o acesso a esse tipo
de informação, os autores
do estudo lançaram um
banco de dados colaborativo para cadastro de pesquisas sobre o tema em todo o
mundo, o “Resistance Bank”.
Uma análise feita entre
2004 e 2006 pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em amostras
de frangos congelados vendidos em 14 Estados brasileiros, detectou bactérias
Salmonella e Enterococcus
resistentes a vários antimicrobianos. Das 250 cepas de
Salmonella analisadas, por
exemplo, 77% foram consideradas multirresistentes
(resistentes a duas ou mais
classes de antibióticos).
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento destacou ainda
que vem progressivamente
proibindo medicamentos
veterinários usados com o
objetivo principal de fazer
os animais engordarem, os
chamados melhoradores de
desempenho. Já foram proibidas substâncias do tipo
como os anfenicóis, as tetraciclinas e as quinolonas.
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